A microbiota intestinal tem sido amplamente estudada nas últimas décadas e sua importância para a saúde geral do organismo vai muito além da digestão. O intestino humano abriga trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e arqueas, que desempenham um papel fundamental na manutenção da homeostase.
Uma das áreas de crescente interesse é a relação entre a microbiota intestinal e o equilíbrio hormonal, especialmente considerando o impacto que essa interação pode ter na saúde metabólica, imunológica, reprodutiva e geral.
Neste post, exploraremos os principais mecanismos pelos quais a microbiota intestinal influencia o equilíbrio hormonal, discutindo suas implicações clínicas para médicos e profissionais de saúde.
O eixo intestino-hormonal: uma via bidirecional
A interação entre o intestino e os sistemas hormonais ocorre por meio do chamado eixo intestino-hormonal, uma via de comunicação bidirecional que envolve o intestino, os hormônios e diversos sistemas, como o sistema nervoso central (SNC), o sistema imunológico e o sistema endócrino.
A microbiota intestinal participa ativamente da regulação desse eixo, influenciando tanto a síntese quanto a metabolização de hormônios, além de afetar sua biodisponibilidade.
1. Produção e modulação de hormônios pela microbiota intestinal
A microbiota intestinal tem a capacidade de produzir e modular hormônios de diferentes maneiras:
- Metabolismo de hormônios sexuais: Certas bactérias intestinais expressam enzimas, como a β-glucuronidase, que são capazes de desconjugar hormônios esteroides, como o estrogênio e a progesterona. O desconjugamento desses hormônios no intestino facilita sua recirculação via a circulação entero-hepática, aumentando a disponibilidade de estrogênios e outros hormônios esteroides no corpo. Esse processo é mediado pelo que se chama de “estroboloma”, o conjunto de microrganismos capazes de metabolizar estrogênios.
- Síntese de neurotransmissores com ação hormonal: A microbiota é também uma fonte significativa de produção de neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA, os quais têm ações hormonais sistêmicas e podem influenciar o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Esses neurotransmissores desempenham um papel importante na regulação do humor e, indiretamente, nos níveis de hormônios como cortisol e adrenalina.
2. Modulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA)
O eixo HPA é uma das principais vias de regulação do estresse, e a microbiota intestinal exerce um papel importante nesse sistema. Estudos demonstram que alterações na composição da microbiota (disbiose) estão associadas à hiperativação do eixo HPA, resultando em níveis elevados de cortisol. O cortisol cronicamente elevado pode levar a distúrbios metabólicos, como resistência à insulina, além de desregular outros hormônios, como testosterona e hormônios sexuais femininos.
A comunicação entre o eixo HPA e a microbiota ocorre em grande parte por meio de moléculas de sinalização inflamatórias, como citocinas, e pelo nervo vago, evidenciando que o intestino e o cérebro estão intimamente conectados tanto fisicamente quanto funcionalmente.
3. Papel da microbiota na sensibilidade à insulina e nos hormônios metabólicos
A microbiota intestinal também influencia diretamente o metabolismo energético e a sensibilidade à insulina. Estudos sugerem que alterações na composição da microbiota podem promover um estado pró-inflamatório e resistência à insulina, interferindo nos níveis de hormônios como a insulina e o glucagon.
Além disso, bactérias intestinais específicas, como aquelas pertencentes ao gênero Akkermansia, têm sido associadas a uma melhor integridade da barreira intestinal e a um menor risco de resistência à insulina. A modulação da permeabilidade intestinal é essencial para evitar a translocação de lipopolissacarídeos (LPS), moléculas bacterianas que podem desencadear inflamação sistêmica e interferir com a sinalização de insulina.
4. Microbiota e hormônios tireoidianos
Estudos recentes também apontam para a influência da microbiota na regulação dos hormônios tireoidianos. A conversão periférica de tiroxina (T4) em triiodotironina (T3), a forma biologicamente ativa do hormônio, pode ser impactada pela composição da microbiota. A disbiose intestinal foi associada a uma diminuição nessa conversão, possivelmente por interferir na metabolização hepática e intestinal desses hormônios.
Implicações clínicas: diagnóstico e manejo de disfunções hormonais
1. Disbiose e distúrbios hormonais femininos
A relação entre a microbiota intestinal e os hormônios sexuais femininos, particularmente os estrogênios, tem implicações significativas para condições como síndrome dos ovários policísticos (SOP), endometriose e menopausa. A disbiose intestinal pode exacerbar o hiperestrogenismo ou o hipoestrogenismo, resultando em sintomas mais graves ou complicações de longo prazo.
Por exemplo, na SOP, a disbiose pode agravar a resistência à insulina e contribuir para o desequilíbrio hormonal típico da condição, com níveis elevados de androgênios. Já em mulheres na menopausa, a queda nos estrogênios afeta diretamente a composição da microbiota, tornando-as mais suscetíveis à inflamação intestinal e, potencialmente, a doenças metabólicas.
2. Microbiota e andropausa
Em homens, a diminuição dos níveis de testosterona com a idade, conhecida como andropausa, também pode estar associada a alterações na microbiota intestinal. Estudos sugerem que a disbiose pode agravar a queda de testosterona, além de estar envolvida em condições metabólicas que surgem na andropausa, como a síndrome metabólica.
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Atenção ao eixo intestino-hormônios
A interação entre a microbiota intestinal e o equilíbrio hormonal oferece uma nova perspectiva sobre a fisiopatologia de diversas condições hormonais e metabólicas. A compreensão mais profunda dessa relação abre caminhos para abordagens terapêuticas integrativas, que envolvam a modulação da microbiota para melhorar o equilíbrio hormonal e a saúde geral dos pacientes.
Para médicos e profissionais de saúde, o reconhecimento dessa conexão é crucial para o desenvolvimento de estratégias de tratamento mais eficazes e personalizadas, considerando a microbiota intestinal como um alvo terapêutico para a prevenção e o manejo de desequilíbrios hormonais.
Fica evidente que um olhar integrativo sobre o eixo intestino-hormonal pode transformar a prática clínica, levando a resultados melhores e mais sustentáveis na saúde dos pacientes.
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